Já conheço esta margem...já percorri todos os cantos, já a
experimentei de todas as maneiras, em frente, de lado, para trás e para a
frente, do lado de dentro e do avesso, com os pés no chão e a cabeça no ar, com
a cabeça enterrada e os pés a girar...
Já a respirei, inspirei, incorporei...já a ri, já a chorei, já a
gritei, de amor e de dor, mas sobretudo de dor. Uma dor a que não quero voltar,
mas que tanto me fez aprender e evoluir.
E agora que a penso, admito, numa paz profunda e crua, que tive
vergonha da minha dor, que a achava triste e que precisava de ser escondida...
E talvez por isso as palavras que antes escrevia, deslizavam no
negro, no silêncio, no subterrâneo da minha mente, nas ruas paralelas, que
nasciam no meu peito e desembocavam em pracetas esquecidas e escuras para
ninguém ver, para ninguém ler.
Mas, hoje, não tenho mais vergonha. São lindas aquelas letras, são
maravilhosas aquelas frases, a forma como se abraçam e entrelaçam, como se
choram e desunham e se gritam e se atropelam. Elas só quiseram sair, precisavam
de sair, dar vazão à maré cheia que não cabia mais dentro do espaço que se
apertava e reprimia numa garganta apertada, silenciada...
São parte de mim, da minha identidade, da minha história...
E foi quando eu aceitei que elas, as palavras, e ela, a dor, eram
livres para sair, que foram saindo, timidamente, pé ante pé, quase em
silêncio...só se ouvia um gemido miudinho, que transmutava para um riso, de uma criança traquina, que corre descalça na relva molhada às escondidas dos pais, vivendo aquele momento de uma forma única e livre...
E nesse instantea dor encontra-se, sem saber como, no meio dessa
mesma relva molhada, tomada por uma excitação tão fora do normal, sem saber se
recua ou continua, se tem ou não direito a sentir aquela liberdade e vai
caminhando devagarinho. Tira as botas de couro, as meias de lã e toca com o pés
nus na relva e a sensação é tão, tão leve, que fica estagnada a sentir o fresco
da água nos pés enquanto observa a menina ao fundo a correr, a saltar e a rir.
Depois aproxima-se e apresenta-se, dizendo chamar-se Amor e
leva-a pela mão, limpando-lhe as lágrimas e mostrando um caminho novo.
As duas caminham devagar, como se o tempo tivesse parado e deitam-se no chão e rebolam...Sentem-se livres!!
A menina amor, mostra um caminho novo à dor, levando-a à
beira de um monte alto, com um rio lá em baixo. O amor pede à dor que lhe dê a
mão e salte com ela...e saltam as duas, no vazio, no escuro, no desconhecido, num
salto de fé, sabendo que no outro lado estará uma nova margem...
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